Volume 16

por Redação CONCERTO 01/06/2023

Vol 16

José Antônio de Almeida Prado
Pequenos funerais cantantes
Sinfonia dos Orixas
Clarissa Cabral – mezzo soprano
Sabah Teixeira – barítono
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Neil Thomson
 – regente  

Repertório:

José Antônio de Almeida Prado (1943-2010)
Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo

1. Corpo de fogo (Body of Fire)
2. Corpo de terra I (Body of Earth I)
3. Corpo de terra II (Body of Earth II)
4. Corpo de terra III (Body of Earth III)
5. Corpo de terra IV (Body of Earth IV)
6. Corpo de terra V (Body of Earth V)
7. Corpo de terra VI (Body of Earth VI)
8. Corpo de silêncio (Body of Silence)

Após se relacionar com diferentes tendências estéticas ao longo de sua formação, o compositor Almeida Prado foi pautado pela busca de uma voz pessoal que hoje é celebrada como uma das mais importantes da história da música brasileira. Natural, portanto, que ele integrasse a coleção Música do Brasil, do selo Naxos. Seu segundo disco na série contempla duas obras marcantes, em interpretações de referência oferecidas pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, o Coro da Osesp e o maestro Neil Thomson. A primeira delas é Pequenos funerais cantantes, do início de sua carreira, em que há uma escrita sofisticada no modo como faz coro, orquestra e solistas (os ótimos Sabah Teixeira e Clarissa Cabral) dialogarem. Em seguida, os músicos da Osesp interpretam a Sinfonia dos orixás. Com orquestração que explora os coloridos da orquestra de maneira rica e viva, a obra evoca as divindades da religião iorubá e a presença da música de raízes africanas na cultura brasileira – e revela a autoridade e a personalidade com que Almeida Prado encontrou a própria voz.

Sinfonia Dos Orixas

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Contracapa CD
[Reproduçãp]

Texto do encarte do CD

José Antônio de Almeida Prado (1943–2010)
Sinfonia dos Orixás • Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo

Nascido em Santos, em 1943, e falecido em São Paulo, em 2010, José Antônio Rezende de Almeida Prado foi um dos principais compositores brasileiros da segunda metade do século XX à primeira década do século XXI. Escreveu para diversas formações, com destaque para o piano, seu instrumento, mas conta também com incursões por uma gama que vai do violão solo à grande orquestra, passando pelo coro, diversos instrumentos solistas e música de câmara.

A obra de Almeida Prado pode ser dividida em três grandes peŕiodos.¹ As peças de juventude, marcadamente nacionalistas, demonstram uma forte influência de Camargo Guarnieri, então seu professor de composição. O segundo período tem início em 1965, quando Almeida Prado rompe com Guarnieri e passa a absorver e utilizar as tendências da vanguarda europeia. Foram os anos em que conseguiu se projetar como compositor, principalmente após receber o primeiro prêmio do I Festival de Música da Guanabara, em 1969, com Pequenos funerais cantantes. Em seguida, mudou-se para Paris, onde estudou com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen. A partir de 1983, tem ińicio o terceiro peŕiodo, em que o compositor passa a mesclar as técnicas e os elementos desenvolvidos anteriormente, em afinidade com as tendências vanguardistas, com elementos da música tonal e referências aos ritmos e modos da música brasileira, além de fontes religiosas, notadamente textos católicos e ritmos e melodias do candomblé.

Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo (1969)

Pequenos funerais cantantes foi escrita para coro, solistas e orquestra, sobre o poema homônimo de Hilda Hilst. Embora Almeida Prado utilize uma ampla gama de instrumentos na formação orquestral, ele o faz a fim de criar timbres diversos – em momento algum ocorre um tutti. Versátil também é o emprego do coro para além da tradicional escrita coral, com elementos como o canto monódico, o estilo declamatório e sílabas entrecortadas por pausas e texto falado.

A obra estrutura-se em três partes: "Corpo de fogo", "Corpo de terra" e "Corpo de silêncio". A primeira é uma introdução instrumental que descreve sonoramente um voo de avião e sua queda, em referência ao acidente que vitimou o poeta português Carlos Maria de Araújo. "Corpo de terra" é o título que Almeida Prado tomou emprestado da primeira metade dos poemas de Hilda Hilst. Desta, ele aproveita os seis primeiros dos sete poemas e os transforma em breves movimentos para esta parte central, que é a principal e a mais extensa da obra.

Em "Corpo de terra I" ouve-se, introduzido pelos sinos, um lamento em canto monódico entoado pelo coro, que faz referência à música litúrgica medieval. A última frase deste poema ("Assim te lembro") anuncia a atmosfera do que vem a seguir. Os movimentos II a VI, com seus respectivos poemas, destacam diferentes facetas do poeta em seu sono eterno: dorme o pastor, ... o inocente, ... o profeta, ... o cantor, ... o amigo. De cada um, surgem universos sonoros únicos, forjados a partir de combinações timbrísticas entre coro e orquestra; apenas em "Corpo de terra V", o barítono solista substitui a formação coral. Após a mezzo-soprano finalizar o movimento central em um breve solo sem a orquestra, "Corpo de silêncio" conclui a obra com poucos instrumentos: os violoncelos entoam a monodia de "Corpo de terra I", enquanto a música se extingue apenas com os toques do sino.

Sinfonia dos Orixás (1984–85)

Composta entre 1984 e 1985, por ocasião da comemoração dos dez anos da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, a Sinfonia dos Orixás foi construída originalmente em três movimentos: "Chamado aos orixás (Ritual inicial)", "Manifestação dos orixás" e "Ritual final". O corpo principal da obra é o movimento central, dividido em 17 partes, em que são ouvidos 15 cantos dos orixás e dois interlúdios. Apesar dessas divisões, a música transcorre sem interrupções do início ao fim. Muitos dos seus motivos melódicos e rítmicos foram baseados em pontos recolhidos por sua mulher, Helenice Audi, que frequentava um centro de umbanda.

A visão de Almeida Prado sobre os orixás, segundo a qual para cada orixá há um santo correspondente, é carregada de sincretismo com o catolicismo, religião da qual era adepto. Com isso, deixou de incluir na obra Exu, pois, segundo os católicos, ele representaria o diabo. No entanto, para a crença iorubana, a invocação do Exu é fundamental para o rito, pois é ele quem faz a ligação entre os homens e os orixás. Assim, na estreia da Sinfonia, foi realizada uma improvisação com atabaques em homenagem a Exu, que foi autorizada pelo compositor e, cuja inclusão, permanece opcional nas execuções da obra.

Se observada em sua estrutura geral, a Sinfonia dos Orixás assemelha-se a uma suíte, com um movimento introdutório e outro conclusivo. No entanto, a maneira como o compositor construiu o desenvolvimento temático da peça justifica a denominação de "sinfonia". Dois temas principais dialogam por toda a obra. O tema dos orixás femininos surge de um motivo de três notas, entoado pelas trompas e trompetes logo no início do "Chamado aos orixás", e vai se construindo ao longo da Sinfonia. Já o tema dos orixás masculinos sofre o processo inverso: é apresentado como um tema completo pelo corne inglês em "Oxalá I" e se dilui até ser reduzido a apenas duas notas no "Ritual final".

Fluem as melodias de fácil reconhecimento, que se sucedem e se sobrepõem, mas o destaque está na escrita rítmica e na ampla seção de instrumentos de percussão. O extenso movimento central apresenta uma grande variação de ambientes, como o sonoro "Obatolá", o breve e quase estático "Ifá", o pulsante "Ogum-Obá", o lírico "Ibejí" e o dançante "Iansã". "Manifestação dos orixás" se encerra com o luminoso "Oxumarê", preparando o "Ritual final". Nessa vibrante conclusão, os instrumentos entram em grupos: primeiro os metais, seguidos das cordas, da percussão e das madeiras. Cada um deles toca um motivo e o repete incessantemente, até que todos se encontrem em um brilhante e sonoro acorde, que encerra a Sinfonia.

Separadas por duas décadas, essas obras são representativas de diferentes períodos criativos de Almeida Prado e apresentam estilos distintos, mas há um elo comum entre ambas: suas estruturas são tripartidas, com um corpo central extenso, ladeado por uma introdução e uma conclusão breves.

Carlos Fiorini
Edição e Revisão: Igor Reyner

Carlos Fiorini é regente e professor livre-docente do curso de regência do Departamento de Música da UNICAMP. Em 2004, apresentou a tese "Sinfonia dos Orixás de Almeida Prado: um estudo sobre sua execução através de uma nova edição, crítica e revisada", em seu Doutorado, também pela UNICAMP.

¹ Periodização proposta por Fábio Scarduelli em sua tese de doutorado "Khamailéon: Fantasia para Violão e Orquestra de Almeida Prado" (UNICAMP, 2009).


Neil Thomson
Neil Thomson estudou regência no Royal College of Music com Norman Del Mar e na escola de verão de Tanglewood com Leonard Bernstein.

Ele é o maestro principal e diretor artístico da Orquestra Filarmônica de Goiás desde 2014, levando a orquestra a destaque nacional com sua defesa do repertório brasileiro e contemporâneo. Ele também tem uma carreira internacional movimentada trabalhando com todas as principais orquestras do Reino Unido e com a Orquestra Sinfônica Yomiuri Nippon, Orquestra Filarmônica de Tóquio, Orquestra Sinfônica de Tóquio, Orquestra Nacional Russa, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), WDR Rundfunkorchester, Orquestra Sinfônica de Lahti e a Orquestra Nacional da Romênia, entre outros.

Thomson já se apresentou com muitos solistas remoandos, incluindo Dame Felicity Lott, Sir Thomas Allen, Sir James Galway, Nelson Freire, Jean Louis Steuerman e Antonio Meneses.

De 1992 a 2006 foi professor de regência no Royal College of Music, em Londres, sendo a pessoa mais jovem a ocupar esse cargo. Foi nomeado Sócio Honorário da RCM em reconhecimento dos serviços prestados à instituição. www.neilwthomson.com.

Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp)
Fundada em 1954, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) tornou-se parte indissociável da cultura paulista e brasileira. A orquestra já fez turnês internacionais e também dirige um grande programa educacional e de divulgação.

Sua discografia contém mais de 80 gravações, e o conjunto realiza mais de cem shows a cada temporada para cerca de 10.000 assinantes em casa própria, a Sala São Paulo.

Em 2012, Marin Alsop foi nomeada maestra titular, sendo nomeada diretora musical no ano seguinte. Durante sua gestão, a orquestra fez sua quarta turnê europeia, se apresentou nos principais festivais europeus e, em 2019, fez uma turnê pela China e Hong Kong, tornando-se a primeira orquestra profissional latino-americana a se apresentar lá. Em 2020, Marin Alsop tornou-se maestra de honra, sendo sucedida por Thierry Fischer.

Em 2018, a Osesp iniciou a gravação de uma série de discos para Naxos dedicados a compositores brasileiros, e no mesmo ano a gravação das sinfonias de Villa-Lobos (Naxos 8.506039), sob regência de Isaac Karabtchevsky, conquistou o Grande Prêmio da revista CONCERTO e o Prêmio da Musica Brasileira. www.osesp.art.br.

Coro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Fundado em 1994 e hoje reconhecido como uma referência da música vocal no Brasil, o Coro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo possui repertório em diversos períodos musicais, com destaque para os séculos XX e XXI e obras de compositores brasileiros. Gravou vários discos para o Selo Osesp Digital e para os selos Biscoito Fino e Naxos.

Entre 1995 e 2015, o Coral da Osesp foi dirigido e regido por Naomi Munakata. De 2017 a 2019, Valentina Peleggi foi a maestra titular, sendo sucedida por William Coelho, regente atualmente. Em janeiro de 2020, o coro se apresentou no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, sob a regência de Marin Alsop, regente honorária da Orquestra Sinfônica de São Paulo.


Críticas
A contracapa deste CD afirma que "Jóse António de Almeida Prado foi um dos compositores brasileiros mais admirados de seu tempo", e isso pode muito bem ter sido verdade no Brasil, mas fora daquele país ele ainda é uma não-entidade ignorada . Se não fosse pelas soberbas gravações de Aleyson Scopel de suas Cartas Celestas no selo Grand Piano, eu nunca teria ouvido falar dele, e estou disposto a apostar que não apenas essas obras, mas até mesmo seu nome será uma revelação para 90% de ouvintes clássicos. Diz muito dizer que este CD, e na verdade toda a série de música brasileira no Naxos, é pago pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Sem o apoio deles, você certamente não estaria vendo ou ouvindo este CD. Estou um pouco intrigado, no entanto, por que a Sinfônica de São Paulo é dirigida por um maestro britânico. Por mais bom que ele seja, eles não têm nenhum maestro local no Brasil? Apenas me perguntando...

O encarte bastante brando descreve a obra de abertura, que se traduz como Pequenos Obséquios Cantados para o Poeta Carlos Maria de Araújo, usa uma grande variedade de instrumentos "para criar diversidade tímbrica – não há episódios de tutti. Ele também faz uso versátil do coro, indo além da escrita coral tradicional para incluir elementos como canto monádico, estilo declamatório e expressões silábicas com pausas e texto falado."

No entanto, essas palavras dificilmente descrevem o impacto dessa música. Soa como uma combinação de Villa-Lobos, Shostakovich (o tema de cordas de abertura é fortemente reminiscente da Sétima Sinfonia do compositor) e Stravinsky, todos misturados em um estilo inteiramente seu. Na segunda faixa da peça de abertura, Almeida Prado também usa o microtonalismo à maneira de Julián Carillo, o agora esquecido pioneiro mexicano dessa prática na música clássica. Isso também é uma reminiscência de suas Cartas Celestas, que usava técnicas atonais e microtonais para criar teias infinitas de som musical que inundam o ouvinte não tanto como um oceano, mas como uma chuva diversa e cintilante de som. Essas técnicas são ainda mais eficazes porque Almeida Prado também lança passagens tonais, principalmente para o coro, que funcionam como um contraste eficaz. Em sua música, cor e emoção estavam inextricavelmente entrelaçadas com os aspectos mais técnicos de suas partituras. Sua música pode ser descrita em palavras, mas essas palavras falham em transmitir seu impacto, que não é realmente definível. E sim, é uma pena que ele seja praticamente ignorado fora do Brasil.

À medida que a peça continua, dispositivos ainda mais interessantes tornam-se evidentes, como o uso de ritmos irregulares e irregulares no estilo Stravinsky na quarta seção ("Body of Earth III") ou a imitação de música primitiva e antiga - embora combinada com microtons - na quinta seção ("Corpo da Terra IV"). Este último é extremamente próximo em sentimento e estilo musical geral ao que conseguiu nas Cartas Celestas, um sentimento do primitivo dentro de uma estrutura de modernismo absoluto. Devido a todas essas diversas técnicas e estilos, sua música nunca é previsível. Sempre surpreende o ouvinte. Ele era, de certa forma, um George Crumb brasileiro que usava muito mais a melodia.

Mas se esta peça parece fascinante e diversificada, você ainda não ouviu nada até ouvir sua Sinfonia dos Orixás, composta em1984-85. Originalmente concebido em três movimentos, praticamente como uma sinfonia normal, acabou se transformando em um caleidoscópio de som e cor de 20 movimentos com duração de quase 50 minutos. Esta é uma obra-prima de extraordinária invenção e complexidade; Eu poderia tentar descrevê-lo para você, mas aqui as palavras fazem pouca justiça. Você realmente precisa ouvir e experimentar por si mesmo. Nada que eu diga transmitirá todo o poder, riqueza e impacto emocional dessa trilha sonora. Basta dizer que não ouvi absolutamente nada parecido em meio século de crítica musical. Tudo o que direi é que não é uma sinfonia convencional usando tema e desenvolvimento, mas sim uma verdadeira cornucópia de som, cor e movimento. Almeida Prado usou música calma e/ou lenta tanto quanto música alta e movimentada, e nesta obra ele contrasta e combina esses elementos como um master chef criando uma refeição totalmente nova a partir de uma mistura de várias receitas originais. Há até um extenso solo de violoncelo na nona seção que faz pensar que ele está criando um concerto. Episódica certamente é, e isso certamente irá perturbar o ouvinte reacionário entrincheirado que se rebela contra tal música, mas com um ouvido aberto e uma mente aberta, a Sinfonia dos Orixás irá transportá-lo para novos mundos da mente e do espírito.

Como mencionado anteriormente, Neil Thomson é um excelente regente que entra totalmente no espírito dessas partituras; ele consegue soar brasileiro mesmo não sendo. Este é um daqueles raríssimos álbuns cuja totalidade é maior que a soma de suas partes. Este é certamente um dos lançamentos mais interessantes e culturalmente importantes já lançados no mercado.
© 2023 Lynn René Bayley

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