Por um jornalismo musical mais diverso e plural, em diálogo com o contemporâneo

por João Luiz Sampaio 30/12/2021

Entre setembro e dezembro de 2021, o Palácio das Artes de Belo Horizonte realizou o Ateliê de Criação: Dramaturgia e Processos Criativos. Idealizado e coordenado por Livia Sabag e Gabriel Rhein-Schirato, os trabalhos seguiram em diversas frentes. De um lado, a criação de cinco novas obras a partir de libretos criados no âmbito do ateliê, com orientação de Geraldo Carneiro; de outro, uma série de encontros e debates, alguns públicos, outros restritos à turma de alunos do ateliê, sobre o significado de se criar uma ópera hoje, abordando temas diversos à luz do pensamento contemporâneo. E havia ainda um outro módulo, dedicado à escrita jornalística sobre música e à crítica de ópera.

A atividade crítica não é uma atividade artística, mas, sim, jornalística; segue regras, critérios, proposições e códigos éticos específicos da profissão. A primeira, justa e óbvia pergunta, então, é simples: o que uma oficina de escrita sobre música, com participantes produzindo textos e discutindo a atividade crítica em nosso tempo, faz em um ateliê dedicado justamente à criação de novas obras?

O crítico de cinema espanhol Fernando Lara, que durante anos escreveu no jornal El País, criou um decálogo com orientações a serem seguidas por um crítico. Um dos itens afirma que ele deve estar “em dia com a teoria, a história e a estética cinematográfica”. Ao trocar “cinematográfica” por “musical”, nos pareceu interessante portanto que as reflexões realizadas durante o ateliê e o contato com o processo de criação de novas obras poderiam ser úteis àqueles que se interessam em escrever sobre ópera.

Mas há ainda um outro motivo. Nos últimos tempos, tem sido cada vez mais frequente a discussão a respeito do sentido da criação, da relevância cultural e social da atividade artística, da relação que se estabelece com o passado da ópera e de como se pode dar a busca por um futuro para o gênero. Aqui mesmo no Site CONCERTO, assim como nas páginas da Revista CONCERTO, o tema tem sido ponto de partida para diversos artigos, entrevistas, colunas. No limite, o que se imagina é um novo cenário musical, mais aberto, democrático, atento ao mundo à sua volta, à representatividade, capaz de lutar contra preconceitos, ideias arraigadas e assim por diante. 

Mas, se estamos falando de um novo cenário musical, não seria natural que o jornalismo e a crítica musical também se reinventem ou ao menos se disponham a discutir o seu papel face a esses desafios? Pois, na crítica, há também verdades a serem desconstruídas, a necessidade de maior representatividade e de um olhar para a obra de arte que leve em consideração questões urgentes de nosso tempo.

Ao longo dos meses de trabalho, a discussão sobre o tema alternou-se entre debates teóricos e exercícios de escrita – que, claro, estiveram em diálogo. Sobre as atividades práticas, é necessária uma contextualização. Um dos preceitos éticos do jornalismo sugere que um crítico não deve escrever sobre um espetáculo no qual tenha atuado de alguma forma. Nesse sentido, estaria vedada a proposta de que os participantes produzissem textos a respeito das múltiplas atividades do ateliê. Em um contexto pedagógico, no entanto, nos pareceu que a prática fazia sentido. Mais do que isso: aqueles que estiveram ligados diretamente ao espetáculo também foram incentivados a refletir por meio da escrita sobre o que foi apresentado e seu significado.

Assim, os participantes escreveram sobre entrevistas públicas realizadas durante o ateliê com o poeta Geraldo Carneiro, o diretor Peter Sellars, a soprano Gabriela Geluda e o diretor Antônio Araújo, entre outros; e prepararam-se, ao final dos dois meses do curso, para escrever críticas a respeito do espetáculo final, em que as cinco obras compostas foram apresentadas (a preparação incluiu a análise do livro O grande mentecapto, de Fernando Sabino, e dos libretos nele inspirados). Por meio desses textos e das discussões realizadas nos encontros, revelam-se vozes múltiplas (basta observar, por exemplo, os quatro relatos tão particulares sobre a conversa com Peter Sellars). Vozes que se propuseram não a buscar certezas, mas, sim, a investigar o sentido da atividade crítica em um momento estimulante de busca por novos sentidos para a ópera como gênero.

Alguns desses textos são agora publicados no Site CONCERTO, escritos por acadêmicos, artistas, dramaturgos e jornalistas. Com isso, o objetivo foi abrir espaço para novas vozes que possam de alguma forma contribuir para um jornalismo mais diverso e plural, um dos compromissos assumidos pela Revista CONCERTO. Um jornalismo que participe de modo cada vez mais dinâmico e ativo no diálogo com os desafios de nosso tempo. 

Para ter acesso a todos os textos, clique aqui

Detalhe da fachada do Palácio das Artes de Belo Horizonte [Divulgação]
Detalhe da fachada do Palácio das Artes de Belo Horizonte [Divulgação]

 

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