Mere Oliveira: sempre é a hora certa para se fazer o quê é certo

por Redação CONCERTO 04/01/2023

Retrospectiva 2022: Mere Oliveira, produtora, professora, mezzo-soprano

Sempre me pergunto quando a cultura, no terceiro mundo, será vista como essencial pelos governantes e pelos governados, e me dou conta de que, provavelmente, a minha geração não poderá dar-se ao “luxo” do descanso, porque a máxima da pessoa guerreira necessita ser cumprida. Segundo Rubem Alves, a tarefa da educação é ensinar a ver, e aqui, na minha quase insignificante existência, diante desse pensador genial e experiente, eu acrescento: “é ensinar a ver o que a Cultura foi e é, para que se saiba o quê será de nós”.

2022 foi mais um daqueles anos desafiadores para os guerreiros da cultura. Numa época em que o fascismo saiu da toca e se confunde atentado com “liberdade de expressão”, a luta foi árdua; por isso mesmo, poder contar as vitórias tem ainda mais sabor. Saber que em 2023 teremos Ministério da Cultura já aquece nosso coração com a esperança de seguirmos para outros desafios, que não sejam explicar o óbvio.

Dito isso, chegamos a uma lista incrível de realizações independentes, para a música de concerto e a ópera brasileiras. Iniciativas independentes que se estabeleceram, outras que foram retomadas e firmaram parcerias, que prometem realizar grandes feitos em 2023. Citemos algumas:

O NOP - Núcleo de Ópera da Bahia, já com algumas produções no histórico, além de estabelecer sua sede no Colégio das Mercês, apresentou a Ópera dos Terreiros no Theatro da Paz em Belém, e estreou Amor Azul com Gilberto Gil no Auditório da Radio France em Paris; a Cors, no Rio Grande do Sul, que começou cooperativamente em maio e agora já tem como sede o Theatro São Pedro, programa um 2023 com maravilhosas produções, além da Academia de Ópera da Ospa (com certeza os ares de POA estão revigorados)!  A Cia de Cantores Líricos, que após a pandemia voltou a realizar produções e concertos em todo o Distrito Federal; a Cia Ópera São Paulo, com suas mais de duas mil apresentações operísticas, segue ampliando suas parcerias e ações. E duas iniciativas que tive o prazer de realizar com o Ubuntu Brasileiro, a Vlaanderen Produções Artísticas e a Osita, que são exemplos de ações afirmativas: a montagem da ópera Gianni Schicchi de Puccini, com a Orquestra Sinfônica Jovem de Taubaté e um elenco 100% negro, desde o maestro e o diretor cênico até a equipe criativa. Uma realização que mudou o olhar e a mente dos quase 1.500 adultos e crianças que puderam assisti-la e que lançou uma nova abordagem ao se inspirar na cultura afro-brasileira; e em seguida a realização do I Concurso Brasileiro de Canto Lírico Joaquina Maria da Conceição Lapa – Lapinha, para cantores pretos, pardos e indígenas, realizado pela Sustenidos, com mais de 87 inscrições advindas de 18 diferentes estados brasileiros. Uma premiação digna, com vistas a implementar a carreira não somente dos premiados, mas de todos os inscritos.

Mais do que representatividade, pertencimento e protagonismo, estamos em busca da equidade na música de concerto e na ópera brasileira. Se nosso povo é diverso, nossas ações devem ser consequência disso. 2023 recebe a herança das conquistas de 2022 e o débito dos anos de descaso. É de responsabilidade de cada gestor, diretor, maestro, produtor e dirigente de toda e qualquer instituição artística brasileira fazer um futuro melhor. Instituições não são cimento e tijolos; somos nós, e nós podemos transformar o mundo. Sempre é a hora certa para se fazer o quê é certo. 

[Clique aqui para ler outros depoimentos já publicados na Retrospectiva 2022 da Revista CONCERTO.]

Mere Oliveira

 

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