João Luiz Sampaio: hora de refazer o mapa da ópera brasileira

por Redação CONCERTO 08/01/2022

Retrospectiva 2021: João Luiz Sampaio, jornalista, editor executivo da Revista CONCERTO e crítico do jornal O Estado de S. Paulo

No campo da ópera, o ano II da pandemia deixou bem claro quem tem pensado no gênero de maneira ousada: Festival Amazonas de Ópera, Palácio das Artes de Belo Horizonte, Theatro São Pedro de São Paulo, Festival do Theatro da Paz.

Os três primeiros fizeram investimento na diversificação do repertório e de linguagens, apostando em novas obras e em um debate urgente sobre a criação do gênero em nossa época – ações que, por suas propostas, não foram pontuais, mas, sim, sugestões de um caminho estruturante e de médio e longo prazo. Em Belém, chamou atenção em particular o modo como o festival tem buscado dialogar com a realidade paraense, estabelecendo projetos em presídios e em diferentes regiões do estado.

Essas iniciativas tornam-se ainda mais importantes quando levamos em consideração o que se passou/passa nos supostos grandes palcos da ópera brasileira, os teatros municipais de São Paulo e Rio de Janeiro. Na capital paulista, toda a conversa sobre inovação é, por enquanto, isso mesmo, conversa – e com um ruído incômodo ao fundo provocado pela indefinição relacionada à gestão da casa. No Rio, a comédia de erros continua. Nos últimos dez anos, seis presidentes e sete diretores artísticos passaram pelo Municipal. A cada troca, a ilusão de um recomeço. Mas ele ou não vem ou tem fôlego curto, pois o problema não é necessariamente a ausência de ideias, mas a falta de possibilidade concreta de colocá-las em prática. Em um modelo de gestão repleto de entraves, a orquestra não tem muito mais do que trinta músicos e os demais corpos estáveis também estão desfalcados. A dança das cadeiras artística é uma excelente forma de fingir mudança enquanto nada, absolutamente nada, de fato, se altera. 

Da Europa e dos Estados Unidos, chegam sinais mistos a respeito do ano III da pandemia. Alguns teatros fechados, outros abertos com restrições ou em pleno funcionamento, mas com exigência de comprovação de vacina. Difícil saber ainda em que medida a variante Ômicron vai interferir na rotina dos projetos culturais no Brasil ao longo de 2022 – lembrando que por aqui, além do vírus, há o trabalho daqueles que, à frente da Secretaria Especial de Cultura do governo federal, têm feito sua parte para dificultar a vida do setor. Mas, de qualquer forma, as dificuldades dos últimos dois anos não impediram que novas ideias começassem a circular e ganhar forma na nossa cena operística – além dos casos já citados, é importante lembrar da recém-nascida Academia de Ópera do Projeto Sinos ou então do concurso de composição do Fórum de Ópera, Dança e Música Clássica que, se tudo sair como o previsto, será a primeira colaboração de fato entre um grande número de instituições dedicadas à ópera no Brasil.

A experiência nos sugere que não há como garantir que todas essas iniciativas terão futuro. Mas, a cada passo dado, fica ao menos claro o que é possível fazer em prol de um universo da ópera mais diversificado, contemporâneo, aberto a debates. E igualmente claro que, optar por não o fazer, é isso mesmo, uma opção - que deve ser questionada.

João Luiz Sampaio

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