Morreu neste domingo, dia 29, aos 86 anos, o compositor polonês Krzysztof Penderecki. Segundo informações dadas por sua família, ele vinha sofrendo de uma longa doença. Penderecki foi nome fundamental da composição ao longo do século XX, autor de obras como a Trenódia para as vítimas de Hiroshima e o Réquiem polonês.
Penderecki nasceu em 1933 em Debica, na região sudoeste da Polônia. Estudou em Cracóvia, para onde se mudou depois da Segunda Guerra. Suas primeiras obras tinham como objetivo, em suas palavras, “libertar o som, indo além de toda e qualquer tradição”. É o caso de Fluorescenses, em que há uma forte influência, que ele reconheceria mais tarde, de Stravinsky e Webern.
Nos anos 1960, no entanto, sua produção passaria por mudança significativa. Em 1968, ele estreia sua Paixão segundo São Lucas. A peça é simbólica de sua religiosidade e do que Penderecki chamaria de fusão entre tradição e inovação. Aos poucos, como ele lembraria em 2017 em entrevista à Revista CONCERTO, ele passava a dialogar com a música do passado, relativizando uma ideia de vanguarda que, se representava a possibilidade de romper com as determinações do realismo soviético, “caminhava na direção de uma especulação formal mais destrutiva do que construtiva”.
“Crescer naquele momento, sob o regime soviético, naquele contexto, não foi fácil. Descrever o processo de criação musical é uma tarefa que ainda hoje, aos 83 anos, me parece particularmente difícil”, afirmou o compositor então. “Mas o desejo de liberdade era compartilhado por minha geração. Foi ele que nos aproximou da vanguarda, mas foi ele também, no caso, que fez com que eu me afastasse dela. O desejo de ser livre, e poder criar a partir disso, era algo que eu sentia com força. Mas não acredito que a ruptura tenha sido consciente nem que carregasse algum tipo de afirmação política, ainda que exista quem leia minha obra dessa forma. Escrever música sacra na Polônia comunista, claro, era algo diferente, pois não era um repertório aceito, eu tinha plena consciência disso. No entanto, dediquei-me ao gênero não por um simples sentimento contestatório, mas, antes, porque aquilo fazia sentido para mim, um sentido forte o suficiente para me levar a essas obras.”
Seja como for, nos anos 1970 a busca de uma linguagem essencialmente pessoal, filtro pelo qual ele passa a olhar tanto a música do passado quanto a de seu tempo, torna-se marcante em sua criação. E, na década seguinte, estaria profundamente ligada a comentários sobre o momento político em que vivia. É nesse sentido que nasce o Réquiem polonês, encomenda do Solidariedade, sindicato de trabalhadores poloneses não controlado pelo Partido Comunista liderado por Lech Walesa, símbolo da resistência civil ao governo polonês e da luta por mudanças sociais no país.
Penderecki escreveu diversas sinfonias, concertos, e tornou-se também importante maestro. Esteve no Brasil diversas vezes, regendo grupos como a Orquestra Petrobras Sinfônica, a Filarmônica de Minas Gerais e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que comandou pela última vez em 2017, tendo a violinista Isabelle Faust como solista no concerto para violino de Szymanowski. Também teve obras utilizadas extensivamente em filmes como O exorcista, de William Friedkin, e O iluminado, de Stanley Kubrick.
Sua obra é marcada, como afirmou o crítico Bernard Holland, do New York Times, nos anos 1980, “por um olhar repleto de ansiedade, angústia e depressão”. Da mesma forma, tem sido compreendida como precursora de uma atitude de novas gerações de compositores que, sem se filiar a escolas específicas, abraçam uma autodefinida liberdade na relação com o passado e o presente ao criar a música do futuro.
Mas o próprio compositor não se via dessa maneira. “Acredito que compositores que vieram antes de mim, como Lutoslawski, já sinalizavam a direção a uma música essencialmente pessoal. Então, tenho dificuldade em me aceitar como precursor, ainda que reconheça que a liberdade que eu sentia naquele momento, nos anos 1970, hoje esteja disseminada como algo a ser celebrado”, afirmou.
Era uma prática comum em suas entrevistas e depoimentos: ao mesmo tempo em que se manteve conectado profundamente em sua música com questões – estéticas e políticas – de seu tempo, recusava-se a entender a si mesmo como porta-voz de ideias de diferentes naturezas. O que traz à mente texto do musicólogo polonês Mieczyslaw Tomaszewski, publicado na Revista Osesp:
“O vilarejo de Luslawice, no sul da Polônia, se tornaria para Penderecki sua Arcádia na vida real: onde era possível se sentir no paraíso, desfrutar da vida em família e plantar árvores. Separado do mundo, não sentia seu alvoroço nem ouvia seus ruídos. ‘Em Luslawice’, disse, ‘cerquei minha propriedade, meu jardim, com um muro alto, acreditando que esse muro reforçaria sua força interna. Esse hortus conclusus [jardim fechado] é um mundo em si mesmo, meu universo, em cuja harmonia sou capaz de moldar a mim mesmo. Marcando as alamedas de árvores, formando campos e canteiros, me dou conta de estar construindo minha própria Arcádia, ao mesmo tempo que tenho certeza [...] de me entregar a uma arte virtuosa e agradável.’” Não é preciso ter um ouvido sensível para captar o tom de reflexão dessa frase, mesclado ao amargor da experiência. Talvez o filólogo Tadeusz A. Zielinski estivesse certo ao descrever o mundo de Penderecki como “uma ilha deserta, cercada por um oceano de estranhas atitudes e ideologias”.
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Revista CONCERTO Tradição e inovação: uma conversa com Penderecki (acesso exclusivo para assinantes)
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